sexta-feira, 12 de agosto de 2011

AXIOLOGIA E EDUCAÇÃO

Thiago Chagas Oliveira

Crato (CE), AGOSTO de 2011

ATENÇÃO: Elaborado para fins exclusivamente didáticos

OBSERVAÇÔES PRELIMINARES

  1. Axiologia: (axios: digno de ser estimado; logos: ciência, teoria) teoria dos valores em geral, especialmente dos valores morais.
  2. “A reflexão sobre os problemas educacionais inevitavelmente nos levará à questão dos valores”(SAVIANI, 2007, p.43).

Antes de tudo, deve-se observar que a análise sobre as relações entre valores e educação deve levar em consideração as determinações históricas, econômicas, políticas, sociais e culturais. Os gregos, por exemplo, tinham plena consciência da unidade orgânica entre ética e educação. Em conformidade com o entendimento de que a política é uma prática social voltada para o viver bem, a educação do indivíduo deveria coincidir com sua formação ética.

Sócrates, por exemplo, concebia o Estado como uma comunidade política assentada em relações de assistência recíproca e na máxima consciência do bem comum e do interesse geral. A lei, diz Platão no VII livro de A República, não existe para “deixar que cada um se volte para a atividade que lhe aprouver, mas para tirar partido dele para a união da cidade”. A perfeição política do Estado pressupõe a perfeição filosófico-ética. Eis a razão da paidéia [ideal formativo] platônica ser, fundamentalmente, a preparação do cidadão às virtudes éticas. A educação, por isso, é uma questão central para o legislador, uma vez que somente o homem virtuoso poderá ser um bom governante, ou também um bom governado, isto é, um bom cidadão.

Aristóteles, por sua vez, caracteriza o homem como um ser eminentemente social e, por isso, político. E isto em sentido preciso: uma vez que sua natureza leva-o a se associar com outros homens, Aristóteles sustenta que a expressão máxima da vida ética se concretiza na polis, como vida associada, ou seja, na vida política. O homem somente pode viver bem em associação direta com outros homens. O isolamento não faz parte do ser social do homem. O isolamento, por isso, vai contra sua natureza e só pode ser uma coisa acidental: aquele “que não consegue viver em sociedade, ou que não necessita de nada porque se basta a si mesmo, não participa do Estado; é um bruto ou uma divindade”. (p.13 – 14). Ou seja, na base da formação do Estado está a natureza do homem, que é sociável, configurada para viver na polis.

Se o indivíduo sozinho não basta a si mesmo, sua natureza e necessidades levam-no a união. A polis, por isso, como sociedade política, se funda na natureza humana, a qual não é somente instinto, mas também capacidade humana de saber viver bem com seus semelhantes. Diferentemente dos animais, que são gregários, o homem possui a capacidade de “distinguir o bem do mal, o justo do que não o é, e assim todos os sentimentos dessa ordem cuja comunicação forma exatamente a família e o Estado (P.14)”. Para Aristóteles, o homem só se configura plenamente como homem quando distingue e reconhece o verdadeiro bem, isto é, aquele político (viver bem). Desta forma, o Estado é uma associação de homens voltada não apenas para garantir a produção e a reprodução material dos indivíduos, mas também para assegurar que a organização e a unidade social se desenvolvam alicerçadas em princípios sólidos de sustentação, a saber: a justiça, a virtude e a ética (p.39).

A prática virtuosa da justiça e o ordenamento justo da polis garantem a sua produção e reprodução; garantem o viver bem, na medida em que a totalidade social é capaz de ser auto-suficiente. A educação, por isso, não pode deixar de apresentar-se como profundamente ética, na medida em que é voltada, antes de tudo, para a reprodução do bem comum, ou seja, para a assistência recíproca nas quais os indivíduos devem conviver.

Vem da Grécia, portanto, a idéia de que a educação deve responder pela tarefa de formação do homem virtuoso. Em A Política, Aristóteles fala em “a educação como prática da virtude”. E mais:

Considerando que cada família é uma parte do Estado, que as pessoas de que vimos de falar são porções da família, e, que a virtude da parte deve estar em relação com a do todo, é necessário, obrigatoriamente, que a educação das mulheres e dos filhos seja dirigida de acordo com a forma do governo, se realmente se deseja que o Estado, as crianças e as mulheres honrem a virtude. (p.35)

No século XVI, Nicolau Maquiavel inverterá radicalmente a visão grega acerca do indivíduo virtuoso. Para a fundação de um Estado, é necessário, segundo Maquiavel, que o príncipe constrinja, seja com uso da força seja com o uso das leis, a perversa, litigiosa e pérfida natureza humana, bem como saiba utilizar estrategicamente os meios necessários para conseguir seus fins. O juízo moral e religioso sobre os “meios” e sobre a política em geral são suspensos; estes são utilizados segundo os interesses e não segundo o bem ou mal. É por isso que, em Maquiavel, a política se torna uma prática autônoma.

Maquiavel propõe uma concepção da “natureza” do homem como substancialmente imóvel e não melhorável. Para ele, o elemento motivacional profundo da ação humana é a ânsia de lucro/vantagem e de poder. É por isso que no campo moral e político não existem valores determináveis e estáveis.

Os homens costumam ser ingratos, volúveis, dissimulados, covardes e ambiciosos de dinheiro; enquanto lhes proporcionas benefícios, todos estão contigo, ofere­cem-te sangue, bens, vida, filhos, como se disse antes, desde que a necessidade dessas coisas esteja bem dis­tante. Todavia, quando ela se aproxima, voltam-se para outra parte. (MAQUIAVEL, 1999, p.106).

No século XVII, Tomas Hobbes diz que os homens são iguais por natureza. Desta igualdade relativamente às capacidades individuais deriva a igualdade quanto à esperança de todos atingirem o mesmo fim. O problema surge quando dois homens buscam a mesma coisa. Na medida em que ela é impossível de ser gozada ao mesmo tempo (conflito de interesses), dois homens se tornam inimigos, por isso, se esforçam para destruir ou subjugar o outro (HOBBES, 2007, p.96).

Hobbes apresenta três causas principais da discórdia entre os homens: a competição, que leva os homens a atacar o outro para conseguir lucro; a segurança, para se defender; e a glória, que leva a contenda por motivos pessoais como diferenças de opinião, sinais de desprezo, subestimação das capacidades das pessoas, desrespeito à amigos e familiares, etc (p.97 – 98). Contra este estado de tensão e desconfiança, os homens devem se antecipar e subjugar todos que puder, de modo que nenhum outro ameace sua propriedade. “Esse aumento do domínio sobre os homens, sendo necessário para a conservação de cada um, deve ser por todos admitidos, obviamente” (HOBBES, 2007, p.97).

Segundo Hobbes, a natureza fez com que os homens se dissociassem uns dos outros, tornou-os “capazes de se atacar e se destruir...” (HOBBES, 2007, p.98). Hobbes chega, assim, a seguinte conseqüência:

É esta a miserável condição em que o homem realmente se encontra, por obra da simples natureza. Todavia com possibilidade de escapar a ela, que reside, parcialmente, nas paixões e em sua razão. | As paixões que levam os homens preferir a paz são o medo da morte, o desejo daquelas coisas que são necessárias para uma vida confortável e a esperança de consegui-las por meio do trabalho. A razão sugere adequadas normas de paz, em torno das quais os homens podem chegar a acordo.

O estado de natureza se apresenta como uma contradição insolúvel. Partindo desse quadro de fragilidade contínua entre as pessoas, que faz com que os homens estejam sempre em guerra, “uma guerra que é de todos os homens contra todos os homens”(HOBBES, 2007, p.98), Hobbes afirma a absoluta necessidade de um poder comum e superior capaz de mediar adequadamente as relações humanas. Sem esse poder, “não há sociedade. E o que é pior do que tudo, há um constante temor e perigo de morte violenta. A vida do homem é solitária, pobre, sórdida, embrutecida e curta” (2007, p.98). Somente o Estado[1], enquanto construção artificial, pode regular as relações humanas: “Tendo em vista conseguir a paz e através disso sua própria conservação, os homens criaram um homem artificial, ao qual chamamos Estado...” (HOBBES, 2007, p.159).

No século XVIII, Adam Smith (1723 – 1790), com a noção de “mão invisível do mercado”, diz que no momento em que cada um age em função de seu interesse próprio realiza, ainda que de forma inconsciente, o interesse comum, de modo que o interesse geral e coletivo se manifesta como desdobramento e expansão dos interesses particulares. Nesta concepção, diz Hegel, “o fim egoísta é a base de um sistema de dependências recíprocas (...)” (1997, p.168).

A unidade orgânica entre ética e educação ecoa fortemente também no pensamento de Hegel. Em Princípios da Filosofia do Direito, Hegel sustenta que a educação envolve a superação da natureza e a conversão “da Ética” na segunda natureza do indivíduo. Na medida em que a educação é voltada para a busca da autonomia dos filhos, ou seja, para o desenvolvimento de sua consciência e liberdade, Hegel diz que o direito dos pais sobre o livre-arbítrio dos filhos é “determinado pelo fim de os manter na disciplina e de os educar”(p.159). Desenvolvida no âmbito familiar, a educação apresenta uma dupla função: tanto (i) a da proteção, do amor e da confiança, assim como a de (ii) preparar as crianças para a realidade exterior ao âmbito familiar (propedêutica). Nas palavras de Hegel:

(...) primeiro, (...) a alma vive a primeira parte da sua vida neste sentimento, no amor, na confiança e na obediência como fundamento da vida moral; tem a educação, depois, um destino negativo, do mesmo ponto de vista - o de conduzir as crianças desde a natureza imediata em que primitivamente se encontram para a independência e a personalidade livre e, por conseguinte, para a capacidade de saírem da unidade natural da família. (p.160)

Hegel via a educação como uma progressão de um estágio de unidade natural primitiva para um estágio de harmoniosa reconciliação. O ensinamento da criança é interrompido por sua percepção consciente de um mundo externo, o qual, no começo estranho, se torna cada vez mais familiar com sua crescente exploração. Suas inclinações são submetidas às normas éticas e sociais, as quais, estranhas e repressivas no início, acabam por tornar-se uma segunda natureza.

No século XIX, Marx mostrará que a ética não pode ser pensada de modo a-histórico e abstrato, mas a partir de suas determinações econômicas, políticas, ideológicas e culturais. A ética passa a ser subsumida pelos interesses do capital, do lucro. Sob o capitalismo, diz Marx, não existe uma ética universal do ser humano. Como, raciocina Marx, falar em ética numa sociedade que se ergue a partir da exploração do homem pelo homem?



[1] Para Hobbes, só as construções humanas podem ser analisadas e conhecidas (por exemplo, Deus não é uma construção humana, por isso, não pode ser conhecido). O Estado, na medida em que é uma construção humana, pode ser analisado e conhecido em toda sua inteireza.

EPISTEMOLOGIA E EDUCAÇÃO

Thiago Chagas Oliveira

Crato (CE), agosto de 2011

ATENÇÃO: Elaborado para fins exclusivamente didáticos

Na aula passada, afirmei que os pilares fundamentais da ação educativa assentam-se numa: (i) concepção de ser humano (discutida pela antropologia); (ii) concepção de mundo (questão política da educação); (iii) teoria do conhecimento (epistemologia), bem como numa teoria dos valores (axiologia). Hoje trataremos da teoria do conhecimento (ou epistemologia), ou seja, da questão epistemológica. Antes, façamos um breve resumo da aula anterior.

Sobre a questão antropológica, vimos que existem três grandes concepções filosóficas de homem: (i) a concepção essencialista; (ii) a concepção naturalista e a (iii) concepção histórico-social.

A concepção essencialista afirma a presença de uma essência humana, um modelo a ser atingido com a educação. Nessa perspectiva, o educador define de antemão o que constitui a essência humana, para saber que tipo de adulto se quer formar.

A concepção naturalista sustenta que o ser humano está sujeito às forças da natureza, tornando-se incapaz de gerir seu próprio destino. Trata-se de uma concepção determinista e mecanicista do homem. O ser humano aparece aqui como sujeito passivo e receptivo das determinações postas pelo mundo. O trabalho pedagógico está fundamentado numa rigorosa programação dos passos para adquirir conhecimentos. Todo o processo pedagógico é minuciosamente pensado para atingir objetivos previamente determinados.

A concepção histórico-social, por fim, rejeita a noção de essência humana. Como diz Marx em sua sexta tese sobre Feuerbach (1804 – 1872), “a essência do homem não é uma abstração inerente ao indivíduo isolado. Na sua realidade, ela é o conjunto das relações sociais”, ou seja, o homem se constrói em suas relações dialéticas com e no mundo: “Se o homem é formado pelas circunstâncias, será necessário formar as circunstâncias humanamente” (Marx, 2003, p.150) ou ainda “as circunstâncias fazem os homens tanto quanto os homens fazem as circunstâncias.” (Marx, 1998, p.36).

A prática pedagógica é condicionada por determinações econômicas, políticas, culturais e sociais, mas também é capaz de agir sobre elas. Em outras palavras, a educação sofre a influência do mundo, mas também é capaz de intervir no mundo. É um movimento contínuo de mão dupla. Passemos agora ao estudo da epistemologia.

Em seu livro Filosofia da Educação, Maria Lúcia de Arruda Aranha elenca três questões importantes sobre o conhecimento: “O que é conhecimento? Como conhecemos? Qual a origem do conhecimento?” Podemos começar respondendo estas perguntas lembrando o que foi dito na aula de Pesquisa Educacional I: conhecer é tornar um objeto presente aos sentidos ou à inteligência. Ainda nesta aula, sustentei a tese de que todas as manifestações ou graus do conhecer (observar, perceber, determinar, interpretar, discutir, negar e afirmar) pressupõem a relação do homem (sujeito) com o mundo (objeto) e só são possíveis com base nessa relação.

Na aula de hoje, veremos que existem três concepções distintas com relação à compreensão da relação homem (sujeito) – mundo (objeto) e conhecimento. A primeira afirma que as idéias nascem com o ser humano (inatismo). A segunda sustenta que o conhecimento só começa após a experiência sensível (empirista). E por fim, uma terceira concepção que estabelece uma relação intrínseca entre sujeito e objeto (Dialética, Fenomenologia, Gestalt). Antes de detalhar estas concepções, gostaria de fazer algumas observações gerais sobre o conhecimento.

Antes de mais nada, deve-se fixar a noção de que o conhecimento é prático, social e histórico (LEFBREVE, 1995).

O conhecimento é prático. Antes de ser teórico (pensamento), todo conhecimento começa pela experiência, pela prática. É através da prática que o indivíduo entra em contato com as realidades objetivas. Por exemplo: uma criança conhece o seu mundo engatinhando, andando ou percorrendo com os olhos a realidade ao seu redor. Manipula objetos, lambe, morde, balança, aperta, ouve. Nessas práticas, a criança incorpora, transforma esses objetos em imagens e idéias que passam a constituir sua consciência.

O conhecimento é social. No mundo social, os indivíduos agem uns sobre os outros, de modo dinâmico e complexo. O indivíduo constrói sua individualidade dentro da dinâmica social. Em outras palavras, o indivíduo se constitui, como tal, a partir do outro. Nas trocas sociais, o saber vai sendo transmitido.

Para compreender essa característica do conhecimento, pode-se pensar numa imagem proposta por Alexis Leontiev (1978), em sua obra “O desenvolvimento do psiquismo”. Neste texto, diz Leontiev (1978), imaginem uma catástrofe no planeta que eliminasse todos os adultos e preservasse as crianças pequenas: “Os tesouros da humanidade da cultura continuariam a existir fisicamente, mas não existiria ninguém capaz de revelar às novas gerações o seu uso. As máquinas deixariam de funcionar, os livros ficariam sem leitores, as obras perderiam a sua função estética. A história da humanidade teria de recomeçar”.

O conhecimento é histórico. Percorre-se um longo caminho da ignorância ao conhecimento. Isso se aplica tanto ao indivíduo como à humanidade. A verdade não está pronta a priori, não se revela integralmente; sua aquisição se dá de modo metódico. Feitas estas observações iniciais, passemos ao conteúdo específico da aula.

EPISTEMOLOGIA E GNOSIOLOGIA

Conforme apresentado por Aranha (2006), a epistemologia, também conhecida como teoria do conhecimento, pode ser definida como “a parte da filosofia que investiga as relações entre o sujeito cognoscente (o sujeito que conhece) e o objeto conhecido no ato de conhecer”(2006, p.160). A epistemologia indaga “como apreendemos o real, se essa apreensão deriva principalmente de nossas sensações, ou se existem idéias anteriores a qualquer experiência, se é possível ou não conhecer a realidade, o que é verdade e falsidade etc”(Idem, ibidem, p.160).

Freqüentemente, a epistemologia é confundida com gnosiologia. Ressalte-se, contudo, que existem diferenças. A epistemologia trabalha especificamente com o estudo do trabalho científico. Tomando as ciências como objeto de investigação, ela busca reagrupar:

a) a crítica do conhecimento científico (exame dos princípios, das hipóteses e das conclusões das diferentes ciências, tendo em vista determinar seu alcance e seu valor objetivo); b) a filosofia da ciências (empirismo, racionalismo etc); c) a história das ciências. (JAPIASSÚ, MARCONDES, 1996, p.84 – 85).

Já a gnosiologia abrange todo tipo de conhecimento, ou seja, estuda o conhecimento em sentido mais genérico.

INATISMO E EMPIRISMO

“De onde vêm nossas idéias?” (ARANHA, 2006, p.160)

Conforme apresentado por Japiassú e Marcondes (1996, p.140), inatismo pode ser definido como “concepção segundo a qual certas ideias, princípios ou estruturas do pensamento são inatas em virtude de pertencerem à natureza humana – isto é, à mente ou ao espírito – sendo, portanto, nesse sentido, universais”.

Esta concepção está bem representada no texto Menôn, ou Sobre a virtude, de Platão. Ali, Sócrates leva um escravo ignorante a encontrar sozinho uma solução de geometria. Ou seja, Sócrates tenta provar que o conhecimento e as ideias são inatas.

Como diz Aranha (1996, p.161), no inatismo “a realidade se encontra em primeiro lugar no espírito, na razão, no sujeito e se apresenta na forma de ideias”. Diante do pólo sujeito – objeto, o inatismo privilegia o primeiro.

O empirismo, por sua vez, é a “doutrina ou teoria do conhecimento segundo a qual todo o conhecimento humano deriva, direta ou indiretamente, da experiência sensível externa ou interna. (...) O empirismo (...) demonstra que não há outra fonte de conhecimento senão a experiência e a sensação” (JAPIASSÚ, MARCONDES, 1996, p.80). Nesta concepção, as ideias não podem ser inatas.

Resumindo, enquanto o inatismo destaca o papel do sujeito, o empirismo destaca o papel do objeto. Mas, adverte Aranha (1996, p.161), o empirismo não “despreze a razão, mas sim a subordina ao trabalho anterior da experiência”.

PROPOSTA DE SUPERAÇÃO

Existe uma terceira concepção (representada pela dialética, fenomenologia e gestalt) que afirma a relação recíproca e contínua entre o sujeito (o pensamento) e o objeto (aquilo que é pensado, conhecido).

objeto

sujeito


INTERAÇÃO DIALÉTICA

O ser humano é “sujeito-objeto”: ele pensa, é “sujeito”, mas sua consciência não se separa de uma existência objetiva, seu organismo, sua atividade vital e prática. Ele age, enquanto tal, e é objeto para outros sujeitos e agentes.

O sujeito e o objeto, o pensamento e a matéria, o espírito e a natureza, são ao mesmo tempo distintos e ligados: em interação, em luta incessante no seio de sua própria unidade. Nessa concepção:

O conhecimento não está (...) no sujeito (...) nem no objeto, (...) mas resulta da interação entre ambos. Portanto, o ato de conhecer é dinâmico, já que o ser humano passa por estágios progressivos de auto-organização nos quais as estruturas se sucedem, alternando mobilidade e estabilidade. Os pólos sujeito – objeto, pessoa – mundo, professor – aluno, dicotomizados nas perspectivas anteriores, encontram-se aqui integrados, inter-relacionados, sem que se enfatize um dos lados, já que ambos têm importância no processo. Assim, os dois pólos não são negados pura e simplesmente, porque em toda superação se conservam as qualidades de um e de outro. (ARANHA, 1996, p.164)

quarta-feira, 27 de julho de 2011

O LUGAR DA FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO NA FORMAÇÃO DO PROFISSIONAL DA EDUCAÇÃO

O LUGAR DA FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO NA FORMAÇÃO DO PROFISSIONAL DA EDUCAÇÃO

Elaborado para fins exclusivamente didáticos

Thiago Chagas Oliveira[1]

Crato (CE), 17/06/2011

Este texto possui dois objetivos principais: (1) demarcar e justificar a importância da filosofia da educação para a formação do profissional da educação[2]; (2) pensar os limites e as possibilidades da filosofia da educação na formação do profissional da educação. Ele está dividido em três partes: a primeira apresenta, ainda que em linhas gerais, os conceitos de educação, filosofia e filosofia da educação; a segunda parte estabelece a relação entre educação e produção e reprodução da vida material; por fim, destaca a importância da filosofia da educação como ponto de partida para o desenvolvimento da profissionalidade docente. Defende a tese de que a filosofia da educação está na base da formação do profissional da educação, sobretudo do professor.

I PARTE: DEFINIÇÕES

Grosso modo, a educação significa a transmissão da cultura de um povo de um determinado lugar num determinado momento histórico. Envolve a transmissão dos costumes, hábitos, linguagem, tradições culturais, valores morais e religiosidade. Num sentido mais preciso, a educação compreende a transmissão dos saberes historicamente acumulados e necessários ao funcionamento da sociedade, bem como a sua reprodução.

Já com relação ao conceito de filosofia, não é fácil defini-lo. É difícil dar uma definição genérica de filosofia, já que esta varia não só quanto a cada filósofo, mas também em relação a cada período histórico. Diferentemente da ciência, que apresenta um saber específico, um conhecimento sobre o mundo real, a filosofia, conforme nos ensina Hegel, possui um caráter mais geral, mais abstrato, mais reflexivo, no sentido da busca que tornam possível o próprio saber. Além disso, a filosofia reflete sobre o sentido e o significado que os homens dão à vida social, política, econômica, cultural, psicológica, educacional, amorosa, religiosa etc.

Não seria forçoso dizer que a filosofia da educação, assim como a filosofia da história e a filosofia da arte, é um ramo especializado da filosofia que toma a educação como objeto de investigação, reflexão e problematização. Nesse sentido, pode-se dizer que a filosofia da educação indaga sobre o significado, intencionalidade e alcance da educação.

II PARTE: A relação entre educação e produção e reprodução da vida material

Conforme apresentado por Marx em O Capital (1866), precisamente no livro I, quinto capítulo, os homens começaram a se diferenciar dos animais a partir do momento em que começaram a produzir seus meios de sobrevivência. Diferentemente dos animais, que agem sobre a natureza a partir de uma base genética pré-determinada, os homens agem sobre a natureza a partir de uma ideação-prévia (teleologia/ intencionalidade). O ato consciente de transformação da natureza para o atendimento de suas necessidades mais elementares leva ao aparecimento de necessidades cada vez mais complexas. É exatamente a contínua capacidade de resolução dessas necessidades sempre mais complexas que detona o desenvolvimento das potencialidades físicas, mentais e espirituais do homem. Existe uma relação dialética entre a transformação do mundo operada pelo trabalho humano e a formação humana.

No ato contínuo de transformação da natureza para o atendimento de suas necessidades, o homem aprende, produz e acumula conhecimentos e se desenvolve (o homem como um ser teórico-prático). É precisamente a necessidade de transmissão desse corpo de conhecimentos que caracteriza a educação como um fenômeno (i) historicamente determinado e (ii) absolutamente fundamental à produção e à reprodução da existência humana. Isto não significa dizer que o fenômeno educacional está imediatamente colado no processo de produção e reprodução da vida material. O desenvolvimento e a complexificação do trabalho e o acúmulo de conhecimentos geram um complexo social especificamente responsável pela formação das novas gerações (a escola).

Recapitulando: a educação é um complexo da vida social que está diretamente relacionada às múltiplas dimensões da produção e da reprodução da vida humana. Na medida em que o processo de transformação da natureza pelo homem é variável (a forma como homem produz a sua vida material hoje, por exemplo, é muito diferente da forma como ele produzia na Idade Média), a educação é um fenômeno em constante transformação, ou seja, um fenômeno histórico.

Neste texto, importa destacar a compreensão de que o ato educativo formal, como fenômeno humano e como dimensão absolutamente fundamental à vida humana, é estruturalmente caracterizada por processos contínuos de intencionalidade. Isto significa que: por trás das metodologias de ensino e da organização do currículo escolar, existem inúmeros objetivos, dentre os quais eu destaco a: (i) a transmissão dos saberes historicamente acumulados; (ii) a transmissão do legado cultural de determinada sociedade (história e linguagem); (iii) a formação cívica do indivíduo (político); (iv) a formação dos indivíduos para o mundo do trabalho (econômica). Cabe à filosofia da educação refletir teoricamente sobre este processo em suas múltiplas dimensões.

A filosofia da educação faz perguntas como: qual é o papel da educação em determinada sociedade? Como se inter-relacionam as múltiplas facetas do fenômeno educacional? Quais são os objetivos políticos, econômicos, sociais e culturais que norteiam determinada proposta educacional? As condições educacionais oferecidas pelo Estado são as mesmas para todos os indivíduos da sociedade? Que valores morais orientam determinada proposta educacional?

III PARTE: A filosofia da educação como ponto de partida para o desenvolvimento da profissionalidade docente

É papel da filosofia da educação analisar, refletir, problematizar e pormenorizar a inter-relação destas múltiplas facetas do fenômeno educacional. Muito mais do que respostas prontas e acabadas, geralmente coladas na aparência empírica imediata, ou seja, no senso comum, a filosofia da educação busca a essência do fenômeno educacional. Como diz Marx em O Capital, se aparência e essência coincidissem, não seria necessário o pensamento investigativo, problematizador e crítico. A partir da contradição entre aparência e essência, a filosofia da educação tece seu discurso, levanta hipóteses, constrói métodos, aponta soluções, revela a essência do fenômeno educacional.

Ora, se a educação é um fenômeno estruturalmente marcado por processos de intencionalidade diversos, é papel da filosofia da educação auxiliar o futuro profissional da educação ao exercício do pensamento reflexivo, investigativo, problematizador e crítico. É a filosofia da educação que sedimentará a base teórico-metodológica necessária à análise crítico-conceitual dos objetivos que sustentam a educação de determinada organização social. Ou seja, a filosofia da educação possibilita a formação de um pensamento investigativo, autônomo e crítico.

Ressalte-se, para terminar, que todo trabalho pedagógico assenta-se numa determinada concepção de homem e sociedade. Isto significa que a elaboração de uma concepção consciente e crítica acerca do mundo social circundante é uma exigência absolutamente fundamental ao desenvolvimento do trabalho pedagógico. Gramsci traduz esta exigência quando enuncia a seguinte questão: é preferível “pensar” sem disto ter consciência crítica, isto é, “participar” de uma concepção de mundo “imposta” mecanicamente pelo ambiente exterior, ou seja, por um dos grupos sociais nos quais todos estão automaticamente envolvidos desde sua entrada no mundo consciente (e que pode ser a própria aldeia ou a província, pode se originar na paróquia e na “atividade intelectual” do vigário ou do velho patriarca, cuja “sabedoria” dita leis, na mulher que herdou a sabedoria das bruxas ou no pequeno intelectual avinagrado pela própria estupidez e pela impotência para a ação) ou é preferível elaborar a própria concepção do mundo de uma maneira crítica e consciente e, portanto, em ligação com este trabalho do próprio cérebro, escolher a própria esfera de atividade, participar ativamente na produção da história do mundo, ser o guia de si mesmo e não aceitar do exterior, passiva e servilmente, a marca da própria personalidade?” (2001, p.93)

Acreditamos que a adoção de uma concepção de mundo consciente e crítica é uma exigência necessária à construção de outros saberes necessários ao quefazer docente: escolha de um método de ensino, organização curricular, avaliação etc. Compreendemos, assim, que a filosofia da educação está na base da formação do profissional da educação, sobretudo do professor.



[1] Professor de filosofia da educação da Universidade Regional do Cariri (URCA). Doutorando em Educação (UFC). thiagochagas@yahoo.com.br

[2] Profissional da educação= professores, gestores escolares, secretários de educação, diretores, coordenadores, pedagogos, psicólogos educacionais etc.