quarta-feira, 27 de julho de 2011

ANTROPOLOGIA E EDUCAÇÃO: IDEALISMO, REALISMO E CONCEPÇÃO HISTÓRICO-SOCIAL

Thiago Chagas Oliveira

Crato (CE), Julho de 2011

Elaborado para fins exclusivamente didáticos

Questões problematizadoras:

(1) A educação tem a função de realizar o que homem deve ser. Como deve ser o homem?

(2) Terá o homem uma essência completa desde o início ou estará em formação, em transformação, pelo menos em alguns domínios?

(3) O indivíduo desenvolve-se por ação das suas forças exteriores ou, pelo contrário, pela sua participação no mundo histórico e social?

(4) Dar à criança a possibilidade de um desenvolvimento livre e espontâneo ou moldá-la de acordo com normas e preceitos pré-estabelecidos?

INTRODUÇÂO

As questões acima são respondidas por três concepções filosóficas: (i) idealismo (ou essencialismo); (ii) realismo (ou naturalismo) e (iii) dialética (ou concepção histórico-social). Antes de mostrar que estas concepções filosóficas protagonizam e polarizam um debate pedagógico histórico que se estende até os dias atuais (SUCHODOLSKI, 1992, p.25 – 32), faz-se necessário defini-las.

Grosso modo, idealismo significa a interpretação da realidade do mundo exterior ou material em termos do mundo interior, subjetivo ou espiritual. O realismo, por sua vez, é uma concepção filosófica segundo a qual existe uma realidade exterior, determinada, autônoma, independente do conhecimento que se pode obter sobre ela.

No campo educacional, o debate idealismo x realismo pode ser sintetizado da seguinte forma: “o conflito entre, por um lado, o princípio do pleno desenvolvimento do que no indivíduo é humano e universal e, por outro, a necessidade de ter em conta as condições da sua vida real”. (Idem, ibidem, p.114).

A concepção histórico-social, por sua vez, enfatiza a interação dialética entre homem e mundo, sujeito e objeto, essência e existência, aparência e essência.

IDEALISMO (OU ESSENCIALISMO)

Para o idealismo a razão é a força que orienta a vida humana. A educação cumpre duas funções principais: (i) combater tudo o que se opõe ao desenvolvimento humano, ampliando tudo o que lhe é próprio (Idem, ibidem, p.33); (ii) realizar aquilo que o homem deve ser. A educação é concebida como meio para desenvolver no homem tudo o que implica sua participação na realidade ideal, tudo o que define a sua essência verdadeira (Idem, ibidem, p.29).

Comenius (1592 – 1670), por exemplo, defende com energia o princípio de que a educação deve formar o homem de acordo com uma finalidade previamente estabelecida (COMENIUS, 2006). Nessa perspectiva, a educação deve dar sua contribuição de modo que a verdadeira essência humana possa aflorar no homem.

Os idealistas rejeitam a noção de que o ponto de partida da educação é o indivíduo empírico, pois sua vida é uma vida de corrupção. (SUCHODOLSKI, 1992, p.43). Impõe-se, por isso, a necessidade de estabelecer um conjunto de ideais e normas que deviam ser inculcados à juventude com o rigor apropriado, mas que teria um caráter racional, claro, convincente e bem fundamentado. O trabalho pedagógico assenta-se na organização de um programa capaz de levar o educando a conhecer sistematicamente as etapas do desenvolvimento da humanidade (Idem, ibidem, p.77).

A educação é importante para os idealistas porque possui a capacidade de trazer à tona um grau mais elevado de autopercepção e autoconsciência. No livro Princípios da Filosofia do Direito, Hegel ilustra esta ideia dizendo que

a cultura (...) é a libertação, o esforço de libertação superior, (...) [para a] substancialidade não já imediata e natural mas espiritual e ascendida à forma universal.|Tal libertação é, no sujeito, o penoso esforço contra a subjetividade do comportamento, contra as exigências imediatas e também contra a vaidade subjetiva das impressões sensíveis e contra a arbitrariedade das preferências. (1998, p.172).

No caminho aberto por Hegel, os jovens hegelianos (SEC.XIX) viam na educação e na transformação das consciências o caminho para a transformação do homem e do mundo. Cumprindo esta função (o desenvolvimento da essência humana), a educação contribuiria para a construção de um mundo justo e melhor.

REALISMO (OU NATURALISMO)

A interpretação pedagógica realista parte do que o homem é na realidade, e não do que deveria ser. Esforça-se para demonstrar que o processo educativo está profundamente vinculado à vida real do homem. Ao tomar a existência do homem como fulcro de sua educação, Rousseau assentou as bases da pedagogia realista: “... nossos verdadeiros mestres são a experiência e o sentimento, e o homem só sente bem o que convém ao homem nas relações em que se acha”(ROUSSEAU, 1999, p.223).

Os realistas pressupõem que a vida social pode e deve basear-se nos homens tal como existem realmente e não requer de modo nenhum homens reformados de com acordo com uma pedagogia da essência. Hobbes, por exemplo, dizia que não se deve reformar o homem, mas adaptar a organização social à natureza humana (HOBBES, 2007).

Os materialistas franceses do século XVIII (Condillac (1715- 1780) e Helvétius (1715-1771) ), por exemplo, atribuíam ao meio social um papel determinante na formação dos organismos vivos. O homem, por exemplo, seria considerado um produto das circunstâncias.

A CONCEPÇÃO HISTÓRICO-SOCIAL

Para tratar da concepção histórico-social, abordaremos seu principal representante: Karl Marx (1818 – 1883). No século XIX, Marx avança no debate pedagógico entre existência e essência. Em sua sexta tese sobre Feuerbach (1804 – 1872), diz que “a essência do homem não é uma abstração inerente ao indivíduo isolado. Na sua realidade, ela é o conjunto das relações sociais” (1998, p.101). Nesta tese Marx recusa a concepção de um indivíduo humano passivo, modelado e formado unicamente pelo exterior, assim como a visão idealista dos jovens hegelianos, que viam na educação e na transformação das consciências o caminho para a transformação do homem e do mundo.

Não basta, compreende Marx, simplesmente mudar a sociedade para que o homem mude. O conflito entre essência e existência é superado de modo dialético: “Se o homem é formado pelas circunstâncias, será necessário formar as circunstâncias humanamente” (Marx, 2003, p.150) ou ainda “as circunstâncias fazem os homens tanto quanto os homens fazem as circunstâncias.” (Marx, 1998, p.36).

Ao tomar o trabalho (isto é a atividade teórico-prática do homem) como princípio educativo por excelência, Marx avança no debate entre existência e essência e supera a separação entre estas duas dimensões. Para Marx, o eixo norteador do processo pedagógico escolar se relaciona dialeticamente à pratica social concreta dos homens.

Antes de qualquer, diz Marx, “o homem precisa estar em condições de viver para fazer história.” (1998, p.21- 22). O primeiro ato histórico é a produção dos meios necessários que permitem a satisfação das necessidades de comer, vestir-se, beber, ter habitação e algumas coisas mais” (Idem, ibidem, p. 21 – 22). O trabalho, por isso, aparece como elemento fundante do ser social. “O trabalho é a condição de toda vida humana, é necessidade natural e eterna de efetivar o intercâmbio material entre o homem e a natureza e, portanto, de manter a vida humana” (MARX, 2004, p.66).

O ato consciente do homem de transformação da natureza para o atendimento de suas necessidades mais elementares leva ao aparecimento de necessidades cada vez mais complexas. É exatamente a capacidade de resolução dessas necessidades cada vez mais complexas que gera o desenvolvimento das potencialidades físicas, mentais e espirituais do homem. Existe uma relação dialética entre a transformação do mundo operada pelo trabalho humano e o desenvolvimento e a formação do homem. Supera-se, assim, a dicotomia entre existência e essência, entre sujeito e objeto.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

COMENIUS. Didática Magna. Tradução de Ivone Castilho Benedetti. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Princípios da Filosofia do Direito. Tradução de Orlando Vitorino. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

HOBBES, Thomas. Leviatã ou matéria, forma e poder de um Estado eclesiástico e civil. Tradução de Alex Marins. São Paulo: Martin Claret, 2007.

MARX, Karl. A Sagrada Família. Tradução de Marcelo Backes. São Paulo: Boitempo, 2003.

_____________________ . A Ideologia Alemã. Tradução de Luis Cláudio de Castro e Costa. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

____________________ . O capital: crítica da economia política (livro I – Volume I). Tradução de Reginaldo Sant’Anna. 22 ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2004.

ROUSSEAU, Jean Jaques. Emílio ou da Educação. Tradução de Roberto Leal Ferreira. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

SUCHODOLSKI, Bogdan. A Pedagogia e as grandes correntes filosóficas: a pedagogia da essência e a pedagogia da existência. Tradução de Liliana Rombert Soeiro. Lisboa: Biblioteca do Educador, 1992.

Um comentário: