quarta-feira, 27 de julho de 2011

O LUGAR DA FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO NA FORMAÇÃO DO PROFISSIONAL DA EDUCAÇÃO

O LUGAR DA FILOSOFIA DA EDUCAÇÃO NA FORMAÇÃO DO PROFISSIONAL DA EDUCAÇÃO

Elaborado para fins exclusivamente didáticos

Thiago Chagas Oliveira[1]

Crato (CE), 17/06/2011

Este texto possui dois objetivos principais: (1) demarcar e justificar a importância da filosofia da educação para a formação do profissional da educação[2]; (2) pensar os limites e as possibilidades da filosofia da educação na formação do profissional da educação. Ele está dividido em três partes: a primeira apresenta, ainda que em linhas gerais, os conceitos de educação, filosofia e filosofia da educação; a segunda parte estabelece a relação entre educação e produção e reprodução da vida material; por fim, destaca a importância da filosofia da educação como ponto de partida para o desenvolvimento da profissionalidade docente. Defende a tese de que a filosofia da educação está na base da formação do profissional da educação, sobretudo do professor.

I PARTE: DEFINIÇÕES

Grosso modo, a educação significa a transmissão da cultura de um povo de um determinado lugar num determinado momento histórico. Envolve a transmissão dos costumes, hábitos, linguagem, tradições culturais, valores morais e religiosidade. Num sentido mais preciso, a educação compreende a transmissão dos saberes historicamente acumulados e necessários ao funcionamento da sociedade, bem como a sua reprodução.

Já com relação ao conceito de filosofia, não é fácil defini-lo. É difícil dar uma definição genérica de filosofia, já que esta varia não só quanto a cada filósofo, mas também em relação a cada período histórico. Diferentemente da ciência, que apresenta um saber específico, um conhecimento sobre o mundo real, a filosofia, conforme nos ensina Hegel, possui um caráter mais geral, mais abstrato, mais reflexivo, no sentido da busca que tornam possível o próprio saber. Além disso, a filosofia reflete sobre o sentido e o significado que os homens dão à vida social, política, econômica, cultural, psicológica, educacional, amorosa, religiosa etc.

Não seria forçoso dizer que a filosofia da educação, assim como a filosofia da história e a filosofia da arte, é um ramo especializado da filosofia que toma a educação como objeto de investigação, reflexão e problematização. Nesse sentido, pode-se dizer que a filosofia da educação indaga sobre o significado, intencionalidade e alcance da educação.

II PARTE: A relação entre educação e produção e reprodução da vida material

Conforme apresentado por Marx em O Capital (1866), precisamente no livro I, quinto capítulo, os homens começaram a se diferenciar dos animais a partir do momento em que começaram a produzir seus meios de sobrevivência. Diferentemente dos animais, que agem sobre a natureza a partir de uma base genética pré-determinada, os homens agem sobre a natureza a partir de uma ideação-prévia (teleologia/ intencionalidade). O ato consciente de transformação da natureza para o atendimento de suas necessidades mais elementares leva ao aparecimento de necessidades cada vez mais complexas. É exatamente a contínua capacidade de resolução dessas necessidades sempre mais complexas que detona o desenvolvimento das potencialidades físicas, mentais e espirituais do homem. Existe uma relação dialética entre a transformação do mundo operada pelo trabalho humano e a formação humana.

No ato contínuo de transformação da natureza para o atendimento de suas necessidades, o homem aprende, produz e acumula conhecimentos e se desenvolve (o homem como um ser teórico-prático). É precisamente a necessidade de transmissão desse corpo de conhecimentos que caracteriza a educação como um fenômeno (i) historicamente determinado e (ii) absolutamente fundamental à produção e à reprodução da existência humana. Isto não significa dizer que o fenômeno educacional está imediatamente colado no processo de produção e reprodução da vida material. O desenvolvimento e a complexificação do trabalho e o acúmulo de conhecimentos geram um complexo social especificamente responsável pela formação das novas gerações (a escola).

Recapitulando: a educação é um complexo da vida social que está diretamente relacionada às múltiplas dimensões da produção e da reprodução da vida humana. Na medida em que o processo de transformação da natureza pelo homem é variável (a forma como homem produz a sua vida material hoje, por exemplo, é muito diferente da forma como ele produzia na Idade Média), a educação é um fenômeno em constante transformação, ou seja, um fenômeno histórico.

Neste texto, importa destacar a compreensão de que o ato educativo formal, como fenômeno humano e como dimensão absolutamente fundamental à vida humana, é estruturalmente caracterizada por processos contínuos de intencionalidade. Isto significa que: por trás das metodologias de ensino e da organização do currículo escolar, existem inúmeros objetivos, dentre os quais eu destaco a: (i) a transmissão dos saberes historicamente acumulados; (ii) a transmissão do legado cultural de determinada sociedade (história e linguagem); (iii) a formação cívica do indivíduo (político); (iv) a formação dos indivíduos para o mundo do trabalho (econômica). Cabe à filosofia da educação refletir teoricamente sobre este processo em suas múltiplas dimensões.

A filosofia da educação faz perguntas como: qual é o papel da educação em determinada sociedade? Como se inter-relacionam as múltiplas facetas do fenômeno educacional? Quais são os objetivos políticos, econômicos, sociais e culturais que norteiam determinada proposta educacional? As condições educacionais oferecidas pelo Estado são as mesmas para todos os indivíduos da sociedade? Que valores morais orientam determinada proposta educacional?

III PARTE: A filosofia da educação como ponto de partida para o desenvolvimento da profissionalidade docente

É papel da filosofia da educação analisar, refletir, problematizar e pormenorizar a inter-relação destas múltiplas facetas do fenômeno educacional. Muito mais do que respostas prontas e acabadas, geralmente coladas na aparência empírica imediata, ou seja, no senso comum, a filosofia da educação busca a essência do fenômeno educacional. Como diz Marx em O Capital, se aparência e essência coincidissem, não seria necessário o pensamento investigativo, problematizador e crítico. A partir da contradição entre aparência e essência, a filosofia da educação tece seu discurso, levanta hipóteses, constrói métodos, aponta soluções, revela a essência do fenômeno educacional.

Ora, se a educação é um fenômeno estruturalmente marcado por processos de intencionalidade diversos, é papel da filosofia da educação auxiliar o futuro profissional da educação ao exercício do pensamento reflexivo, investigativo, problematizador e crítico. É a filosofia da educação que sedimentará a base teórico-metodológica necessária à análise crítico-conceitual dos objetivos que sustentam a educação de determinada organização social. Ou seja, a filosofia da educação possibilita a formação de um pensamento investigativo, autônomo e crítico.

Ressalte-se, para terminar, que todo trabalho pedagógico assenta-se numa determinada concepção de homem e sociedade. Isto significa que a elaboração de uma concepção consciente e crítica acerca do mundo social circundante é uma exigência absolutamente fundamental ao desenvolvimento do trabalho pedagógico. Gramsci traduz esta exigência quando enuncia a seguinte questão: é preferível “pensar” sem disto ter consciência crítica, isto é, “participar” de uma concepção de mundo “imposta” mecanicamente pelo ambiente exterior, ou seja, por um dos grupos sociais nos quais todos estão automaticamente envolvidos desde sua entrada no mundo consciente (e que pode ser a própria aldeia ou a província, pode se originar na paróquia e na “atividade intelectual” do vigário ou do velho patriarca, cuja “sabedoria” dita leis, na mulher que herdou a sabedoria das bruxas ou no pequeno intelectual avinagrado pela própria estupidez e pela impotência para a ação) ou é preferível elaborar a própria concepção do mundo de uma maneira crítica e consciente e, portanto, em ligação com este trabalho do próprio cérebro, escolher a própria esfera de atividade, participar ativamente na produção da história do mundo, ser o guia de si mesmo e não aceitar do exterior, passiva e servilmente, a marca da própria personalidade?” (2001, p.93)

Acreditamos que a adoção de uma concepção de mundo consciente e crítica é uma exigência necessária à construção de outros saberes necessários ao quefazer docente: escolha de um método de ensino, organização curricular, avaliação etc. Compreendemos, assim, que a filosofia da educação está na base da formação do profissional da educação, sobretudo do professor.



[1] Professor de filosofia da educação da Universidade Regional do Cariri (URCA). Doutorando em Educação (UFC). thiagochagas@yahoo.com.br

[2] Profissional da educação= professores, gestores escolares, secretários de educação, diretores, coordenadores, pedagogos, psicólogos educacionais etc.

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