EPISTEMOLOGIA E EDUCAÇÃO
Thiago Chagas Oliveira
Crato (CE), agosto de 2011
ATENÇÃO: Elaborado para fins exclusivamente didáticos
Na aula passada, afirmei que os pilares fundamentais da ação educativa assentam-se numa: (i) concepção de ser humano (discutida pela antropologia); (ii) concepção de mundo (questão política da educação); (iii) teoria do conhecimento (epistemologia), bem como numa teoria dos valores (axiologia). Hoje trataremos da teoria do conhecimento (ou epistemologia), ou seja, da questão epistemológica. Antes, façamos um breve resumo da aula anterior.
Sobre a questão antropológica, vimos que existem três grandes concepções filosóficas de homem: (i) a concepção essencialista; (ii) a concepção naturalista e a (iii) concepção histórico-social.
A concepção essencialista afirma a presença de uma essência humana, um modelo a ser atingido com a educação. Nessa perspectiva, o educador define de antemão o que constitui a essência humana, para saber que tipo de adulto se quer formar.
A concepção naturalista sustenta que o ser humano está sujeito às forças da natureza, tornando-se incapaz de gerir seu próprio destino. Trata-se de uma concepção determinista e mecanicista do homem. O ser humano aparece aqui como sujeito passivo e receptivo das determinações postas pelo mundo. O trabalho pedagógico está fundamentado numa rigorosa programação dos passos para adquirir conhecimentos. Todo o processo pedagógico é minuciosamente pensado para atingir objetivos previamente determinados.
A concepção histórico-social, por fim, rejeita a noção de essência humana. Como diz Marx em sua sexta tese sobre Feuerbach (1804 – 1872), “a essência do homem não é uma abstração inerente ao indivíduo isolado. Na sua realidade, ela é o conjunto das relações sociais”, ou seja, o homem se constrói em suas relações dialéticas com e no mundo: “Se o homem é formado pelas circunstâncias, será necessário formar as circunstâncias humanamente” (Marx, 2003, p.150) ou ainda “as circunstâncias fazem os homens tanto quanto os homens fazem as circunstâncias.” (Marx, 1998, p.36).
A prática pedagógica é condicionada por determinações econômicas, políticas, culturais e sociais, mas também é capaz de agir sobre elas. Em outras palavras, a educação sofre a influência do mundo, mas também é capaz de intervir no mundo. É um movimento contínuo de mão dupla. Passemos agora ao estudo da epistemologia.
Em seu livro Filosofia da Educação, Maria Lúcia de Arruda Aranha elenca três questões importantes sobre o conhecimento: “O que é conhecimento? Como conhecemos? Qual a origem do conhecimento?” Podemos começar respondendo estas perguntas lembrando o que foi dito na aula de Pesquisa Educacional I: conhecer é tornar um objeto presente aos sentidos ou à inteligência. Ainda nesta aula, sustentei a tese de que todas as manifestações ou graus do conhecer (observar, perceber, determinar, interpretar, discutir, negar e afirmar) pressupõem a relação do homem (sujeito) com o mundo (objeto) e só são possíveis com base nessa relação.
Na aula de hoje, veremos que existem três concepções distintas com relação à compreensão da relação homem (sujeito) – mundo (objeto) e conhecimento. A primeira afirma que as idéias nascem com o ser humano (inatismo). A segunda sustenta que o conhecimento só começa após a experiência sensível (empirista). E por fim, uma terceira concepção que estabelece uma relação intrínseca entre sujeito e objeto (Dialética, Fenomenologia, Gestalt). Antes de detalhar estas concepções, gostaria de fazer algumas observações gerais sobre o conhecimento.
Antes de mais nada, deve-se fixar a noção de que o conhecimento é prático, social e histórico (LEFBREVE, 1995).
O conhecimento é prático. Antes de ser teórico (pensamento), todo conhecimento começa pela experiência, pela prática. É através da prática que o indivíduo entra em contato com as realidades objetivas. Por exemplo: uma criança conhece o seu mundo engatinhando, andando ou percorrendo com os olhos a realidade ao seu redor. Manipula objetos, lambe, morde, balança, aperta, ouve. Nessas práticas, a criança incorpora, transforma esses objetos em imagens e idéias que passam a constituir sua consciência.
O conhecimento é social. No mundo social, os indivíduos agem uns sobre os outros, de modo dinâmico e complexo. O indivíduo constrói sua individualidade dentro da dinâmica social. Em outras palavras, o indivíduo se constitui, como tal, a partir do outro. Nas trocas sociais, o saber vai sendo transmitido.
Para compreender essa característica do conhecimento, pode-se pensar numa imagem proposta por Alexis Leontiev (1978), em sua obra “O desenvolvimento do psiquismo”. Neste texto, diz Leontiev (1978), imaginem uma catástrofe no planeta que eliminasse todos os adultos e preservasse as crianças pequenas: “Os tesouros da humanidade da cultura continuariam a existir fisicamente, mas não existiria ninguém capaz de revelar às novas gerações o seu uso. As máquinas deixariam de funcionar, os livros ficariam sem leitores, as obras perderiam a sua função estética. A história da humanidade teria de recomeçar”.
O conhecimento é histórico. Percorre-se um longo caminho da ignorância ao conhecimento. Isso se aplica tanto ao indivíduo como à humanidade. A verdade não está pronta a priori, não se revela integralmente; sua aquisição se dá de modo metódico. Feitas estas observações iniciais, passemos ao conteúdo específico da aula.
EPISTEMOLOGIA E GNOSIOLOGIA
Conforme apresentado por Aranha (2006), a epistemologia, também conhecida como teoria do conhecimento, pode ser definida como “a parte da filosofia que investiga as relações entre o sujeito cognoscente (o sujeito que conhece) e o objeto conhecido no ato de conhecer”(2006, p.160). A epistemologia indaga “como apreendemos o real, se essa apreensão deriva principalmente de nossas sensações, ou se existem idéias anteriores a qualquer experiência, se é possível ou não conhecer a realidade, o que é verdade e falsidade etc”(Idem, ibidem, p.160).
Freqüentemente, a epistemologia é confundida com gnosiologia. Ressalte-se, contudo, que existem diferenças. A epistemologia trabalha especificamente com o estudo do trabalho científico. Tomando as ciências como objeto de investigação, ela busca reagrupar:
a) a crítica do conhecimento científico (exame dos princípios, das hipóteses e das conclusões das diferentes ciências, tendo em vista determinar seu alcance e seu valor objetivo); b) a filosofia da ciências (empirismo, racionalismo etc); c) a história das ciências. (JAPIASSÚ, MARCONDES, 1996, p.84 – 85).
Já a gnosiologia abrange todo tipo de conhecimento, ou seja, estuda o conhecimento em sentido mais genérico.
INATISMO E EMPIRISMO
“De onde vêm nossas idéias?” (ARANHA, 2006, p.160)
Conforme apresentado por Japiassú e Marcondes (1996, p.140), inatismo pode ser definido como “concepção segundo a qual certas ideias, princípios ou estruturas do pensamento são inatas em virtude de pertencerem à natureza humana – isto é, à mente ou ao espírito – sendo, portanto, nesse sentido, universais”.
Esta concepção está bem representada no texto Menôn, ou Sobre a virtude, de Platão. Ali, Sócrates leva um escravo ignorante a encontrar sozinho uma solução de geometria. Ou seja, Sócrates tenta provar que o conhecimento e as ideias são inatas.
Como diz Aranha (1996, p.161), no inatismo “a realidade se encontra em primeiro lugar no espírito, na razão, no sujeito e se apresenta na forma de ideias”. Diante do pólo sujeito – objeto, o inatismo privilegia o primeiro.
O empirismo, por sua vez, é a “doutrina ou teoria do conhecimento segundo a qual todo o conhecimento humano deriva, direta ou indiretamente, da experiência sensível externa ou interna. (...) O empirismo (...) demonstra que não há outra fonte de conhecimento senão a experiência e a sensação” (JAPIASSÚ, MARCONDES, 1996, p.80). Nesta concepção, as ideias não podem ser inatas.
Resumindo, enquanto o inatismo destaca o papel do sujeito, o empirismo destaca o papel do objeto. Mas, adverte Aranha (1996, p.161), o empirismo não “despreze a razão, mas sim a subordina ao trabalho anterior da experiência”.
PROPOSTA DE SUPERAÇÃO
Existe uma terceira concepção (representada pela dialética, fenomenologia e gestalt) que afirma a relação recíproca e contínua entre o sujeito (o pensamento) e o objeto (aquilo que é pensado, conhecido).
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objeto |
sujeito |
INTERAÇÃO DIALÉTICA
O ser humano é “sujeito-objeto”: ele pensa, é “sujeito”, mas sua consciência não se separa de uma existência objetiva, seu organismo, sua atividade vital e prática. Ele age, enquanto tal, e é objeto para outros sujeitos e agentes.
O sujeito e o objeto, o pensamento e a matéria, o espírito e a natureza, são ao mesmo tempo distintos e ligados: em interação, em luta incessante no seio de sua própria unidade. Nessa concepção:
O conhecimento não está (...) no sujeito (...) nem no objeto, (...) mas resulta da interação entre ambos. Portanto, o ato de conhecer é dinâmico, já que o ser humano passa por estágios progressivos de auto-organização nos quais as estruturas se sucedem, alternando mobilidade e estabilidade. Os pólos sujeito – objeto, pessoa – mundo, professor – aluno, dicotomizados nas perspectivas anteriores, encontram-se aqui integrados, inter-relacionados, sem que se enfatize um dos lados, já que ambos têm importância no processo. Assim, os dois pólos não são negados pura e simplesmente, porque em toda superação se conservam as qualidades de um e de outro. (ARANHA, 1996, p.164)
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